Lorenzo Bertelli acredita que a inteligência artificial e a inteligência artesanal são os motores gêmeos que impulsionam o futuro da moda. Essa visão se reflete no investimento contínuo da Prada na formação da próxima geração de talentos qualificados em suas empresas.
Há 25 anos, a Academia Prada — uma escola de treinamento interna em cada um dos locais de manufatura do grupo — vem moldando a força de trabalho especializada por trás de tudo, desde artigos de couro até prêt-à-porter e calçados. Seu alcance está prestes a se expandir ainda mais: com a próxima aquisição total da Versace da Capri Holdings em 2 de dezembro, a Academia está pronta para começar um novo capítulo, recebendo um grupo ainda mais amplo de jovens artesãos ansiosos para aprender seu ofício.
Durante uma visita à impecável instalação de Scandicci — um centro de produção fundamental para os artigos de couro da Prada e da Miu Miu, perto de Florença, que emprega cerca de 375 pessoas, 71% das quais são mulheres — ficou claro que a manufatura de luxo está longe de ser apenas uma linha de montagem. "Isso é artesanato industrial", observou Andrea Guerra, CEO do grupo. Ele trabalhará ao lado de Lorenzo Bertelli enquanto Bertelli assume o cargo de presidente executivo para remodelar a Versace, uma marca que está pronta para se beneficiar da expertise industrial da Prada.
"Oitenta por cento do que fazemos é feito pelas mãos, pelo pensamento e pelo coração", disse Guerra. "O couro, um material vivo e bastante temperamental, requer um olho suficientemente afiado para captar diferenças que escapariam até a um detetive forense. Sem esse cuidado quase obsessivo, os produtos Prada simplesmente não existiriam", insistiu ele, elogiando a arte da lentidão: "No luxo, não há espaço para pressa."
Se o artesanato se move lentamente, os preços dos artigos de luxo certamente não o fizeram. Guerra não se abalou. "Eles refletem o valor intrínseco de nossos produtos, a maneira como são confeccionados", argumentou ele, defendendo que a excelência tem sua própria economia. "E até agora, nossos consumidores entenderam isso e nos recompensaram." Os números parecem concordar. O Grupo reportou receita líquida de € 4,07 bilhões nos nove meses encerrados em 30 de setembro de 2025, marcando um sólido aumento de 9% em relação ao ano anterior e estendendo a sequência de crescimento da Prada para 19 trimestres consecutivos. O varejo continuou a provar sua força, com vendas atingindo € 3,65 bilhões, também um aumento de 9% em relação ao ano anterior, apoiado por um forte desempenho em vendas comparáveis e vendas saudáveis a preço integral. O terceiro trimestre cresceu 8%, em linha com o segundo trimestre, apesar de enfrentar uma comparação excepcionalmente forte de crescimento de 18% em relação ao mesmo período do ano anterior.
Na Academia do Grupo Prada, a Escola de Ofícios da empresa, 29 cursos foram lançados de 2021 a 2024, treinando 571 alunos — uma pequena brigada de excelência. Este ano, sete novos programas começaram com 152 matrículas, um saudável aumento de 28% em comparação com 2024. O artesanato é o novo símbolo de status do luxo?
Aqueles que entram na Academia embarcam em uma jornada de aprendizado contínuo, uma academia permanente para as mãos e a mente. No entanto, alguns ofícios permanecem subvalorizados. "Existem ofícios belíssimos que simplesmente não são percebidos como tal", observou Lorenzo Bertelli. O mito cultivado há muito tempo do glamouroso trabalho de escritório — crachá brilhante, cadeira ergonômica, o pacote completo — agora está colidindo com uma verdade menos reluzente: muitos cargos de colarinho branco são alarmantemente fáceis de automatizar.
Após uma sessão em que os aprendizes da Academia discutiram os benefícios e desafios do treinamento para se tornarem a próxima geração de artesãos, Bertelli e Guerra sentaram-se para conversar sobre o futuro do artesanato, o modelo industrial em evolução da empresa e as oportunidades futuras. Abaixo, um trecho editado de sua conversa.
**Vogue:** Lorenzo, vamos falar sobre o apelo do trabalho manual. Os jovens parecem não considerar mais carreiras na manufatura. Todo mundo quer estudar na Bocconi e depois ir para consultoria, mas a realidade muitas vezes acaba sendo bem diferente. Como tornamos o artesanato atraente novamente?
**Lorenzo Bertelli:** Acho que tem muito a ver com a forma como os trabalhos de colarinho azul e branco são comercializados. Quando as pessoas imaginam o trabalho de escritório, elas visualizam uma fantasia de *O Lobo de Wall Street*. Na realidade, a maioria acaba se afogando em planilhas e PowerPoints. E, à medida que a tecnologia avança, está substituindo cada vez mais tarefas que antes eram o núcleo do trabalho de escritório. Mas a tecnologia não pode substituir a capacidade de um artesão de trabalhar com as mãos. Vemos isso não apenas aqui em Scandicci, mas em toda a empresa.
Pegue a Luna Rossa, por exemplo: ela precisa de soldadores, eletricistas, técnicos altamente especializados. Essa mudança tecnológica está revelando que muitos trabalhos antes considerados "de alto valor", como funções de escritório ou consultoria, são surpreendentemente fáceis de automatizar. Enquanto isso, os ofícios manuais estão ganhando ainda mais valor. O problema é simplesmente que ninguém está contando bem essa história. Esses são os trabalhos que vão perdurar.
Hoje, há escassez de trabalhadores qualificados em inúmeros setores. Qualquer um que já tentou reformar uma casa, como eu, conhece a luta: bons carpinteiros, encanadores, construtores — todos se tornaram unicórnios. Saber trabalhar com as mãos é uma habilidade inestimável, e precisamos valorizá-la adequadamente. Afinal, o Made in Italy é construído, acima de tudo, sobre a manufatura. Devemos tornar esse mundo o mais atraente possível, valorizando-o e criando as condições certas para que ele prospere. Ainda é cedo, mas estou convencido de que nos próximos 10 a 20 anos, o paradigma entre o trabalho de colarinho branco e azul será completamente invertido.
**Vogue:** Você pode esclarecer o que quer dizer com "mudança de paradigma"?
**Bertelli:** Lembro-me que, anos atrás, todo outro pai estava mandando seus filhos aprenderem programação porque programação era "o futuro". E agora descobrimos que a IA pode programar — então talvez você não precisasse de todas aquelas aulas de programação, afinal. No mundo de hoje, a verdadeira superpotência é ser ágil e flexível. Mas há uma área que acredito ser estável e construída para durar — e a história italiana prova isso: a manufatura.
Claro, as barras de ferro hoje são feitas por máquinas CNC, enquanto há 50 anos eram marteladas por um trabalhador em uma linha de montagem, em condições que eram, digamos, menos que emocionantes. Como a IA vai eliminar muitas tarefas de baixo valor agregado — ou seja, trabalho repetitivo, monótono, entorpecente —, ela realmente criará mais oportunidades para elevar as profissões onde mãos habilidosas fazem toda a diferença. Isso pode ser um chef, um pasteleiro, um eletricista ou alguém na manufatura. Então é isso que quero dizer com mudança de paradigma: vejo um mundo onde, graças à IA assumindo as coisas chatas, podemos finalmente reconhecer o verdadeiro valor das pessoas que trabalham com as mãos. Elas sempre estiveram lá; nós apenas não as estávamos apreciando adequadamente.
**Vogue:** Como vocês estão abordando a evolução tecnológica e a integração da IA nos processos de produção?
**Bertelli:** Não estou preocupado, porque a expertise manual de nossos alunos da Academia, como mencionei, será nosso ativo mais precioso. Deixe-me compartilhar uma anedota: como você sabe, estamos trabalhando no traje espacial para a próxima missão Artemis III em colaboração com a Axiom Space. Quando fomos a Houston, Texas, tínhamos todas essas imagens em mente — NASA, trajes espaciais, capacidades inimagináveis. E, no entanto, a única coisa com que eles genuinamente precisavam da nossa ajuda era... costurar. Eles não sabiam como costurar o traje.
Trata-se de padrões — quais usar e onde colocá-los. Nossa contribuição provou ser essencial. Acredito que a tecnologia permitirá ganhos de eficiência enormes e eliminará ainda mais tarefas de baixo valor do trabalho diário. Claro, haverá um período de transição: alguns empregos inevitavelmente desaparecerão e, a curto prazo, essa mudança causará atrito e ruptura. Mas, a longo prazo, estou convencido de que elevará ainda mais o trabalho humano, especialmente na manufatura. Também acredito que os setores público e social devem fazer tudo o que for possível para facilitar essa transição e torná-la o mais indolor possível.
**Vogue:** O processo de produção Made in Italy enfrentou recentemente escrutínio devido a alegações de má conduta na cadeia de suprimentos. Como seu grupo abordou esse desafio e quais medidas vocês implementaram ao longo dos anos para minimizar riscos que outras empresas de moda estão encontrando agora com seus fornecedores terceirizados?
**Bertelli:** Diferentemente de grande parte do setor, em nosso grupo, a passarela sempre andou de mãos dadas com a fábrica. Desde o início, nossa abordagem foi de que design e produção são inseparáveis. Quando você fala com gerentes de outras empresas, as fábricas podem parecer um mundo distante e abstrato que não é responsabilidade deles. Essa desconexão contribuiu para muitos dos problemas que estão nas manchetes hoje. Para nós, é uma questão de cultura e herança. Desde o primeiro dia, meu pai acreditou em possuir fábricas. A história dos meus pais incorpora essa abordagem: minha mãe, Miuccia, dedicou-se ao design, enquanto meu pai, Patrizio, focou nas fábricas.
Essa filosofia percorre toda a nossa organização; está embutida em nossa cultura. Em nossos escritórios de Milão, os negócios nunca são discutidos sem considerar as fábricas, os processos de produção e seu impacto mais amplo. Muitas empresas simplesmente não adotam essa abordagem prática. Ao longo dos anos, já enfrentamos muitos dos desafios que agora estão causando problemas em outros lugares — não porque fôssemos inerentemente mais inteligentes, mas porque os enfrentamos cedo. Na época, alguns questionaram por que assumiríamos um caminho tão trabalhoso e caro quando seria mais fácil terceirizar a produção e focar em margens mais altas. É um compromisso contínuo. Inspeções regulares, auditorias de fornecedores e engajamento direto com nossas fábricas são necessidades constantes. Mas, em nossa experiência, não há atalho: entender sua produção e ser prático em todos os níveis é a única maneira de salvaguardar a qualidade, garantir práticas éticas e manter a integridade do selo Made in Italy. Essa tem sido nossa abordagem desde o início.
**Vogue:** O que é necessário para salvaguardar o 'Made in Italy' e fazer com que sua história de excelência ressoe autenticamente?
**Andrea Guerra:** Continuaremos incrivelmente fortes quando se trata do Made in Italy. O problema da Itália não é o selo "Made in", nem nossa manufatura, nem nossa capacidade de inovar. A questão real é vender nossos pontos fortes — ser capaz de contar uma história, fazer marketing, engajar consumidores e administrar lojas em todo o mundo. As empresas italianas sempre foram extraordinárias em fazer coisas, mas, infelizmente, não igualmente extraordinárias em vendê-las.
Empresas como a Prada, que decidiram há mais de 30 anos entrar diretamente no mundo dos consumidores finais, são a exceção, não a regra, na Itália. Sempre uso este exemplo: se eu perguntar a um empreendedor francês ou britânico: "Conte-me sobre seu negócio", ele me levará a uma de suas lojas, restaurantes ou hotéis. Se eu perguntar a um empreendedor italiano a mesma coisa, ele me levará ao seu armazém. Essa é a diferença. Na Itália, a tradição de administrar lojas, restaurantes e hotéis sempre esteve enraizada em negócios familiares, mas não ensinamos realmente... Não ensinamos às próximas gerações — pelo menos não o suficiente, ou talvez apenas recentemente — como evoluir na gestão de consumidores. Hoje, a Itália provavelmente produz cerca de 80% dos bens de luxo do mundo, mas as empresas italianas respondem por menos de 20% da receita do setor. Foi aí que perdemos terreno e onde devemos melhorar, tratando esse setor como um pilar central da indústria italiana.
**Vogue:** Lorenzo, vocês estão celebrando 25 anos da Academia hoje, e na próxima terça-feira a Versace se junta oficialmente ao seu grupo. Haverá uma Academia Versace?
**Bertelli:** A Versace agora terá a oportunidade de entrar totalmente em nosso mundo de produção industrial. Isso significa acessar um ecossistema de manufatura mais estruturado e sofisticado e se beneficiar de processos, expertise e capacidades que podem elevar o artesanato e a força operacional da marca. Aqui em Scandicci, já estamos nos preparando para receber a Versace. A Academia continuará sendo uma iniciativa do grupo — afinal, fazemos uma bolsa para uma marca ou outra, é o mesmo ofício. A filosofia permanece a mesma, e estamos continuando nesse caminho.
Nunca pausamos nossos investimentos. Por exemplo, em Milão estamos expandindo nosso trabalho de couro de alta qualidade, criando uma oficina ainda mais sofisticada. Outro grande investimento é uma instalação totalmente nova para bolsas na Toscana, perto de Piancastagnaio. Estamos construindo do zero para ser totalmente de ponta em sustentabilidade. Essa instalação também reunirá muitos de nossos trabalhadores locais. Além disso, temos vários outros projetos em andamento na região das Marcas para produção de calçados e malhas. De 2019 até o final de 2024, investimos mais de € 200 milhões para fortalecer nossa infraestrutura industrial — e apenas em 2025, investimos outros € 60 milhões.
**Vogue:** Como vocês planejam integrar a Versace ao grupo Prada sem diminuir sua identidade notoriamente ousada?
**Bertelli:** Primeiro, precisamos conhecer as pessoas e a equipe e entender que evolução pode ser necessária. Vejo a primeira fase para a Versace como puramente uma fase de aprendizado. Só depois disso formaremos opiniões, reuniremos perspectivas e decidiremos como avançar. Mas a prioridade absoluta é conhecer as pessoas que fazem a Versace funcionar. Nada mais glamouroso do que isso — por enquanto. Adquirir a Versace é um passo importante, mas calculado. Não nos expõe a grandes rupturas e é um risco que podemos facilmente arcar. Isso significa que temos o luxo da paciência: fazer as coisas devagar, com cuidado e estar disposto a tentar, tentar novamente e então tentar mais uma vez.
**Vogue:** Existem muitas marcas de moda que poderiam usar tanto um impulso criativo quanto uma reinicialização financeira. A lista é longa. Então, por que escolher a Versace, colocando € 1,25 bilhão sobre a mesa?
**Bertelli:** Gianni foi o homem que fez um setor tradicionalmente burguês e ultra-elitista de repente estourar. Ele trouxe aspiração para um mundo onde ela nem sequer existia. Na minha visão, foi uma revolução comparável — ouso dizer — ao que Michael Jackson fez na música: ele pegou algo aspiracional e o tornou incrivelmente popular, glamouroso e culturalmente magnético. A Versace ainda tem esse fascínio hoje. E, importante, é completamente complementar às outras marcas do nosso grupo — não há sobreposição de identidade, nenhum risco de uma pisar nos calos da outra. É um universo próprio. Por isso se destacou entre tantas opções.
**Perguntas Frequentes**
Claro. Aqui está uma lista de FAQs sobre Lorenzo Bertelli e Andrea Guerra discutindo a herança manufatureira da Prada e a integração da Versace ao grupo.
**Iniciante / Perguntas Gerais**
1. **Quem são Lorenzo Bertelli e Andrea Guerra?**
Lorenzo Bertelli é o filho dos fundadores da Prada e o Diretor de Marketing e RSC do Grupo Prada. Andrea Guerra é o CEO do Grupo, nomeado para trazer liderança estratégica e supervisionar as oper
