Alguns personagens entram silenciosamente na memória cultural, enquanto outros incendeiam seu caminho, deixando brasas que nunca esfriam. Hedda Gabler é uma dessas. Parte musa, parte monstro, ela tem sido um símbolo de desejo e destruição por mais de um século, preenchida por uma inquietação que transcende os salões que a aprisionam. Agora, a cineasta Nia DaCosta—conhecida por explorar desequilíbrios de poder e agência pessoal através de uma lente de gênero subversiva, desde Candyman (2020) até The Marvels (2023, o filme de maior bilheteria dirigido por uma mulher negra)—traz Hedda sob nova luz com sua ousada reinterpretação da peça clássica de Ibsen, ambientada na Inglaterra dos anos 1950.

Trabalhando com Tessa Thompson—que estrelou a estreia de DaCosta em 2018, Little Woods, sobre duas irmãs lutando pela sobrevivência e liberdade na Dakota do Norte rural—ela transforma uma das heroínas mais misteriosas da literatura em algo mais incisivo: um retrato da feminilidade aprisionada entre performance e autenticidade, restrição e rebeldia. A escritora e diretora de 35 anos conversou com a Vogue de sua casa em Londres sobre ressignificar Hedda para os dias atuais, o que a personagem vestiria se estivesse viva hoje, e por que uma protagonista do século XIX ainda parece surpreendentemente relevante.

Vogue: Admito que não sabia nada sobre Hedda Gabler antes de ver isso.
Nia DaCosta: Essa é uma ótima forma de abordar. Se você assiste 10 Coisas que Eu Odeio em Você, não precisa ter lido A Megera Domada. Funciona por si só mas é fortemente inspirado por esta peça que amo. Quis pegar tudo que amo em Hedda e construir um mundo ao redor dela que destacasse essas qualidades.

Vogue: O que você viu na peça que não havia sido enfatizado em outras interpretações?
DaCosta: Hedda é profundamente triste mas também engraçada, astuta e um pouco ridícula. Ela sente intensamente mas também se sente vazia, e achei toda essa complexidade fascinante. Também pensei que a peça era bastante sensual e senti que deveria haver mais disso. Há anseio, uma obsessão não correspondida e não consumada, e uma dinâmica predatória e lúdica.

Vogue: Algum tema pareceu especialmente urgente hoje?
DaCosta: Hedda é uma mulher confinada pela sociedade de forma específica, o que se relaciona com os limites impostos sobre nós e aqueles que impomos a nós mesmos—às vezes devido à nossa origem, trauma ou medo. Achei tudo isso muito humano e pensei ser uma forma convincente de explorar essas questões através de uma personagem com quem é difícil tomar partido. Sim, ela faz coisas terríveis e imperdoáveis, mas você pode vê-la desesperada para viver, ansiando amar, e falhando devido a essas limitações, tanto externas quanto internas.

Vogue: Você sempre teve Tessa Thompson em mente para o papel. O que a tornou perfeita?
DaCosta: Quando escrevi isso em 2018, estávamos no meio da estreia de Little Woods. Somos amigas próximas desde que nos conhecemos há dez anos. Ela é uma artista e pessoa que admiro profundamente, e ótima de se ter por perto. Tessa é excelente em retratar personagens com turbulência interior, projetando-a sutilmente, como em Passing. Isso se adequou perfeitamente a Hedda porque não queria superexplicá-la ou forçar empatia no público. Como justificar alguém instigar outro a se suicidar ou destruir o trabalho de sua vida? Não se trata de perdoá-la—é sobre apresentá-la como válida. Tessa lida com tudo isso brilhantemente. Ela também se imergiu no papel, lendo muitas traduções e assistindo a todos os filmes ou produções teatrais disponíveis.

Vogue: Ela usa um sotaque específico também, certo?
DaCosta: Sim, seu sotaque reflete sua performance de classe, pois parte de sua dor vem por ser filha ilegítima de um general branco respeitado e uma mulher negra. Ela nunca fala sobre a mãe. Está sempre tentando se encaixar no mundo do pai, e cada escolha que faz visa esse objetivo. Em algumas cenas, você nota ela exagerando o sotaque, enquanto em outras, quando está mais emocionalmente vulnerável, ele suaviza porque está sendo mais autêntica. Quando ela está com a máscara, e quando está sem?

Queria perguntar sobre uma cena poderosa onde mamilos visíveis são bastante notáveis. [Risos.] Só queria ver Hedda metodicamente destruir essa pessoa. Não como uma mente calculista, mas como alguém que repetidamente escolhe a pior opção. Ela vê Loveborg (ex-amante de Hedda, agora rival do marido, interpretada por Nina Hoss) naquele estado e sabe que pode humilhá-la. Hedda alega amá-la mas a trata com tanta crueldade. Então Loveborg entra na sala, e é completamente humilhante. Ainda assim, ela cativa todos aqueles homens com seu intelecto. É isso que ela ansiou o tempo todo. Você começa a perceber que ela enfrenta esse ambiente hostil diariamente e o suporta.

Descrever o estilo do filme como apenas "estiloso" não captura. Você e o diretor de fotografia Sean Bobbitt buscaram evitar que parecesse um típico filme de época inglês enfadonho sem superestilizá-lo. Deliberadamente pensei que poderíamos incorporar elementos de mistério de assassinato e vibrações de fim de semana em casa de campo inglesa. Queria que se encaixasse naquela tradição mas não parecesse com todo outro drama de época, evitando excessiva familiaridade. Tinha que refletir a mulher única em seu centro, e tudo que vemos deveria ser de sua perspectiva. A diretora de arte Cara Brower e eu mobiliamos a casa com móveis antigos e tradicionais dos anos 1950, mas o retrato na sala de jantar—agora na minha própria sala de jantar—é uma peça de arte moderna cubista. Adicionamos toques Art Déco, como laca preta e estampa de onça, já que esse estilo ressurgiu nos anos 50. Quisemos que parecesse uma mistura da era e desta mulher moderna, com esse conflito evidente por todo o filme.

Que inspirações influenciaram a estética do filme? Tínhamos um princípio orientador de que nenhum segmento de 20 minutos deveria parecer o mesmo. É sobre uma festa saindo do controle, então conforme as coisas escurecem, a iluminação diminui. Depois há o fogo—um elemento chave em Hedda Gabler—seguido pela luz fria do dia, onde tudo é severo, azul e solene. A obra do pintor dinamarquês Vilhelm Hammershoi foi uma inspiração; sua arte é bela, sóbria, evocativa e cheia de emoção.

Fiquei realmente impressionada com os figurinos. Adoro Balenciaga. Os anos 1950 foram o auge das casas de moda francesas. É engraçado comparar Balenciaga agora com quando Balenciaga estava vivo—são muito diferentes. Era uma era de sensualidade e modéstia. Loveborg foi a personagem mais intrigante para desenhar. Ela seria um tipo Katharine Hepburn ou abraçaria a feminilidade? A figurinista Lindsay Pugh e eu decidimos por um vestido que mostra que ela é uma mulher equilibrando ambos. Ela é contida ainda suave, dizendo "Estou aqui como mulher, não escondendo, mas você deve me aceitar pela minha mente, que é o que mais importa."

Se Hedda vivesse hoje, como se expressaria através da moda? Ela se encaixaria com a turma da Sloane Square? Teria aquela vibe Made in Chelsea? Ou seria uma Real Housewife? Ela seria uma entusiasta de Dior ou Chanel, mas não muito reveladora, pois isso é muito fácil hoje em dia. Ela quereria se associar à história e classe, mas com um toque ousado. Suas ações nos bastidores contrastariam fortemente com sua imagem pública, e é aí que estaria a tensão.

Onde você vê Hedda em nossa cultura hoje? Isso pode soar grosseiro, mas... consigo ver Hedda no arquétipo tradwife. Ela é uma mulher que comete atos horríveis, ainda assim entendo seu impulso de viver para si mesma. Esse caminho é para mim? Não. Mas considerando a estrutura da nossa sociedade e realidades econômicas, é uma escolha econômica válida. Pense em mulheres que votam contra seus próprios interesses para manter o patriarcado. Elas preferem permanecer naquele sistema por uma sensação de segurança a lutar pela libertação para si e outras mulheres. É aí que coloco Hedda, o que pode soar duro. Não apoio essa posição de forma alguma, mas a reconheço como uma decisão racional moldada por pressões sociais.

Hedda está atualmente nos cinemas e estará disponível para streaming no Prime Video a partir de 29 de outubro.

Perguntas Frequentes
Claro! Aqui está uma lista de FAQs sobre a abordagem contemporânea de Nia DaCosta para Hedda Gabler, elaborada com perguntas claras e respostas diretas.

**Perguntas Gerais / Para Iniciantes**

1. **Quem é Nia DaCosta?**
Nia DaCosta é uma talentosa cineasta e diretora, mais conhecida por dirigir a sequência de Candyman (2021) e The Marvels. Ela é conhecida por trazer perspectivas modernas e socialmente relevantes para seus projetos.

2. **O que é Hedda Gabler?**
Hedda Gabler é uma famosa peça escrita pelo dramaturgo norueguês Henrik Ibsen em 1891. É um clássico do teatro do século XIX sobre uma mulher complexa, manipuladora e profundamente insatisfeita, presa em um casamento entediante.

3. **O que significa uma "abordagem contemporânea" neste contexto?**
Uma abordagem contemporânea significa que Nia DaCosta está reimaginando a história clássica para um público moderno. Ela provavelmente atualizará o cenário, o diálogo e os temas sociais para refletir o mundo de hoje, fazendo a história parecer imediata e relevante.

4. **Por que alguém faria uma nova versão de uma peça tão antiga?**
Grandes histórias podem ser contadas de muitas maneiras. Uma nova versão ajuda novos públicos a se conectarem com os temas atemporais da peça—como ambição, aprisionamento e saúde mental—apresentando-os em um contexto que reconhecemos de nossas próprias vidas.

**Escolhas Temáticas / Criativas**

5. **Como a versão de Nia DaCosta é diferente da original?**
Embora os detalhes específicos possam variar, sua versão provavelmente muda o cenário da Noruega do século XIX para um ambiente moderno. As motivações dos personagens e as pressões sociais que enfrentam serão traduzidas em equivalentes modernos.

6. **Quais temas principais da peça original ainda são relevantes hoje?**
Temas como a ambição feminina ser sufocada, a busca por controle em uma sociedade controladora, a natureza destrutiva do tédio e as dinâmicas complexas de poder nos relacionamentos ainda são altamente relevantes.

7. **Como a formação de Nia DaCosta influencia sua abordagem a Hedda Gabler?**
Como uma diretora que frequentemente explora raça, trauma e comunidade em seu trabalho, ela pode explorar o aprisionamento de Hedda através de lentes modernas adicionais, como as pressões específicas enfrentadas por mulheres de cor ou o impacto psicológico das expectativas sociais.