Na edição de 1º de junho de 1943 da Vogue, aninhada na seção “As Pessoas Estão Comentando”, apareceu uma fotografia impactante: Gala Dalí, posando diante de uma das pinturas oníricas de seu marido, capturada por Horst P. Horst. “Nenhuma pintora, apenas uma colaboradora espiritual”, dizia a legenda, reconhecendo a influência penetrante de Gala na vida e obra de Salvador Dalí. A revista — e o mundo da arte — estava cativado por seu mistério, sua elegância, sem mencionar o fato de que algumas pinturas de Salvador levavam seu nome.

Gala Dalí usando uma saia longa, em pé com um cajado.
Fotografada por Horst P. Horst, Vogue, junho de 1943.

Nascida Elena Ivanovna Diakonova em Kazan, Rússia, Gala viveu muitas vidas: musa, amante, esposa e criadora de mitos. Antes de se tornar Madame Dalí, ela se casou com o poeta surrealista francês Paul Éluard e se envolveu com Max Ernst. Ela circulou pelo mundo da arte com uma autoridade inigualável, perturbando cidades inteiras — Paris, Figueres, Nova York — com sua presença calculada e frequentemente escandalosa. Sua imagem, como o bigode de Dalí, tornou-se parte do espetáculo. Mas quem era Gala, verdadeiramente?

Em Surreal: A Vida Extraordinária de Gala Dalí, a autora Michèle Gerber Klein (Charles James: Portrait of an Unreasonable Man) busca responder exatamente a essa pergunta. “Gala Dalí não era nem uma avarenta nem apenas uma sedutora”, explica Klein. “Tentei retratá-la como um ser humano real, não apenas como uma figura caricata.” O resultado é a primeira biografia profundamente pesquisada de uma mulher há muito ofuscada pelos homens que ela inspirou. Baseando-se em diários não traduzidos, arquivos nunca antes examinados e entrevistas com a neta de Gala e suas ex-confiantes, Klein restaura profundidade e autonomia a uma figura frequentemente reduzida pela história.

Surreal começa não com a morte de Gala, mas com um dos episódios mais deslumbrantes — e bizarros — de sua vida. É 1941, e os Dalí, recém-chegados aos EUA após fugirem da Europa, estão hospedados no histórico Hotel Del Monte, na Califórnia. Naquele setembro, eles organizam um benefício surrealista como nada que a América já tinha visto: o salão de baile é transformado em uma floresta encantada, repleta de cabeças de animais de papel machê, manequins, abóboras e cabaças, como se tirados de Sonho de Uma Noite de Verão. No centro de tudo está Gala, reclinada em uma cama de veludo vermelho com um cocar de unicórnio, um filhote de leão enrolado em seu colo.

Embora tecnicamente refugiados, os Dalí comandam a atenção com um desafio teatral. A revista Life envia um repórter. Bob Hope é servido com sapos vivos sob uma cloche. E Gala — graciosa, elusiva, etérea — reina, como um jornal local a chamou, “a princesa de sua floresta encantada”. É uma cena digna do pincel de Dalí, mas é Gala quem orquestra tudo.

Ainda assim, ela permaneceu um enigma. “Gala disse: ‘O segredo dos meus segredos é que eu não os conto'”, observa Klein. Mas em Surreal, o véu se levanta — mesmo que levemente — revelando a vida extraordinária de uma mulher que se recusou a viver por regras comuns.

Vogue: O que primeiro atraiu você a Gala Dalí como tema? Houve um momento em que você soube que a história dela tinha que ser seu próximo livro?

Michèle Gerber Klein: Eu estava almoçando com Michael Stout no La Grenouille — onde ele costumava jantar com os Dalí quando era advogado deles nos anos 1970 — e ele compartilhou histórias sobre Gala, dizendo: “Você deveria escrever sobre ela. Ela era uma mulher fascinante.” Então eu escrevi.

Vogue: Você chamou esta de a primeira biografia séria de Gala. Como Surreal reformula nossa compreensão dela?

Klein: Gala Dalí não era nem uma avarenta nem apenas uma sedutora. Eu queria retratá-la como uma pessoa real, não uma caricatura. Claro, ninguém pode conhecer totalmente seus pensamentos privados, mas eu busquei revelar o máximo possível de sua personalidade complexa.

Vogue: Como você pesquisou alguém tão enigmática — e tão mitificada? Houve… Houve descobertas inesperadas nos arquivos que mudaram sua visão sobre a história de Gala?

Eu me concentrei em fontes primárias — lendo suas memórias, relatos de pessoas que a conheceram e entrevistas com amigos de infância, ex-amantes e até sua neta, que nunca tinha sido entrevistada antes. Também conversei com Dick Cavett, que uma vez entrevistou Dalí e seu tamanduá de estimação em seu programa — com Gala escolhendo a roupa do marido para a ocasião.

Visitei a Fundação Gala-Salvador Dalí em Figueres, Espanha, onde examinei sua coleção de vestidos de alta-costura, incluindo peças que ela mesma desenhou ou mandou reproduzir por sua costureira. Enviei fotos para o Costume Institute para verificação. Também examinei cartas e documentos na fundação e tive várias conversas com sua diretora, Montse Aguer, comparando nossas perspectivas sobre Gala. Para entender melhor seu vínculo emocional com Dalí, cheguei a consultar um psiquiatra.

O artista espanhol Salvador Dalí e sua esposa e musa Gala Dalí sentados ao ar livre em uma colina, c. 1948. Fotografado por Horst P. Horst.

Como os descendentes dela reagiram ao seu livro?

Sua neta, Claire Sarti, me fez um bolo.

Gala viveu muitos papéis — musa, esposa, colecionadora, intelectual. Qual você achou mais fascinante de explorar?

Sua história é tanto um romance quanto um caso de autopromoção brilhante. Ela também era uma mulher de estilo extraordinário, preferindo designers como Schiaparelli, Chanel e Dior. Na verdade, ela conheceu Dior antes de ele ficar famoso, quando ele trabalhava na Galeria Pierre Colle, que representava Dalí na Paris dos anos 1930.

Qual foi a parte mais difícil de escrever sobre Gala? Houve algum aspecto de sua vida que permaneceu elusivo?

Muitas pessoas escreveram coisas duras sobre ela, muitas vezes por ciúme ou mal-entendido, então separar fato de ficção foi difícil e intrigante.

Gala Dalí usando o Chapéu-Sapato e o Casaco de Lábios, inspirados nela e desenhados por Elsa Schiaparelli em colaboração com Salvador Dalí, 1938. Fotografia de André Caillet. © Salvador Dalí, Fundació Gala–Salvador Dalí, Figueres, Espanha.

Gala muitas vezes é reduzida a ser a musa de Dalí, mas você a apresenta como muito mais. Qual você acha que foi sua maior contribuição para o surrealismo?

Quando Gala conheceu Dalí em 1929, ela documentou meticulosamente suas conversas. No ano seguinte, compilou essas notas em A Mulher Visível — uma obra poética, artística e teórica que argumentava que a fantasia é a realidade. Embora tenha sido enquadrada como a declaração artística de Dalí, ele admitiu à sua irmã, Anna Maria: “Gala é a escritora da nossa família.”

Alguns a descrevem como manipuladora, outros como visionária. Como você reconcilia essas visões conflitantes?

Ela não era manipuladora no sentido usual. Os Dalí eram artistas performáticos — tudo o que faziam era intencional, parte de sua expressão criativa.

O que você espera que os leitores — especialmente as mulheres — levem da vida de Gala?

A lição mais importante é ter a coragem de ser inquestionavelmente você mesma.

O que vem a seguir para você? Há outras mulheres negligenciadas na história da arte que você gostaria de destacar?

Como Gala diria: “O segredo dos meus segredos é que eu não os conto.”

Surreal: A Vida Extraordinária de Gala Dalí
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