Filippo Sorcinelli criou sua primeira vestimenta para o falecido Papa Francisco em 2013. Quando o chamado veio do Escritório das Celebrações Litúrgicas do Sumo Pontífice, o mestre alfaiate e artista ficou surpreso e emocionado. A tarefa precisava ser concluída em um tempo extremamente curto, seguindo as instruções precisas do Papa. Inspirado por uma visita recente ao Vaticano, Sorcinelli desenhou uma peça simples em creme, branco e dourado para a histórica primeira missa do Papa Francisco como Pontífice.
“A notícia da morte do Papa Francisco me trouxe uma profunda tristeza”, Sorcinelli conta à Vogue. “Para um cristão como eu, o Papa é um pilar central da vida.” O Papa Francisco, que agora está em velório na Basílica de São Pedro antes de seu funeral no sábado, 26 de abril, veste uma mitra branca de seda com detalhes em ouro, criada pela Atelier Lavs de Sorcinelli. Ao longo dos anos, os designs de Sorcinelli refletiram a natureza humilde do falecido Papa, com vestimentas inspiradas nos afrescos medievais do pintor renascentista italiano Giotto — especialmente os de Assis, em homenagem ao santo cujo nome o Papa escolheu.
Sorcinelli, um artista italiano de Mondolfo, na região das Marcas, cresceu em uma família de tecelões e costureiras. Além de desenhar vestimentas sagradas, ele também é perfumista, fotógrafo e pintor. Aos 13 anos, tornou-se organista em catedrais de Fano, Rimini e San Benedetto del Tronto. Mais tarde, estudou arte sacra e tecelagem histórica no Museo del Tessuto, em Prato. Em 2018, o Museu Diocesano de Milão exibiu uma retrospectiva de seu trabalho, e em 2021, ele recebeu o Prêmio Arte e Liturgia por inovação em vestimentas sagradas, concedido pelo Instituto Litúrgico Pontifício.
Hoje, Sorcinelli é um homem alto, estiloso, tatuado e gay, que veste ternos elegantes em preto, camisas drapeadas e calças de trabalho. Seu ateliê fica em Santarcangelo di Romagna, uma vila em Rimini. A fé sempre foi central em sua vida. “Guardo no coração minhas primeiras memórias de infância — acompanhando minha mãe a limpar a igreja paroquial de nossa cidade natal”, ele diz. “Aqueles momentos simples e humildes tinham um profundo significado e moldaram minha vida. Imagine o encanto de uma criança em uma igreja antiga, cercada por arte, fé, tecidos, incenso e música… tudo falava de beleza.”
“Ter fé, para mim, é abraçar essa riqueza humana. Criar arte sacra hoje significa compartilhar essa mensagem com o mundo. Eu não seria quem sou sem essas experiências.”
Em 2001, aos 23 anos, Sorcinelli recebeu uma ligação inesperada de um velho amigo anunciando sua ordenação como padre. “Imediatamente, eu disse: ‘Não compre nada — eu mesmo vou desenhar sua primeira vestimenta!’”, ele lembra.
“Na hora, pensei nos momentos da minha infância na sacristia, e soube que o estilo que melhor me representava vinha da Idade Média — sua arquitetura, escultura e pintura. O simbolismo, a forma e a geometria daquela época evitam o mero decorativismo.” Quando o arcebispo de Gênova usou uma de suas criações em uma missa televisionada em 2003, encomendas começaram a chegar de liturgias católicas ao redor do mundo. Hoje, o ateliê trabalha principalmente sob encomenda.
Os designs ousados de Sorcinelli se destacam na moda litúrgica moderna por sua influência medieval, reinterpretada com materiais e técnicas contemporâneas. Em quase 25 anos, Sorcinelli buscou criar roupas que estejam em sintonia com o espírito da Igreja. “Temos profundo respeito pela Igreja, nosso principal cliente, e entendemos que não estamos apenas criando figurinos teatrais”, ele diz.
Em 2007, ele começou a desenhar vestes para o Papa Bento XVI, criando mais de 50 peças intricadas durante seu pontificado — cada uma refletindo um estilo muito diferente do de seu sucessor. Para Sorcinelli, é essencial captar a sensibilidade única de cada Papa. Ele sempre trabalhou com o escritório do Vaticano nos detalhes das vestimentas papais, sem consultar diretamente o Papa (embora alguns designs mais ousados tenham sido rejeitados). Ainda assim, teve encontros informais com Bento e Francisco. “Eles aconteceram, mas guardo esses momentos em privado”, ele diz.
“Com o tempo, aprendi a sentir a personalidade e as preferências do Papa Francisco”, ele explica.
Uma de suas criações favoritas para Francisco foi a veste usada durante a viagem apostólica a L’Aquila e a missa de encerramento. “Eu estava lá para a abertura da Porta Santa na Basílica de Collemaggio — algo que raramente participo”, ele recorda. Foi uma experiência emocionante. Ele chegou às 4h da manhã para preparar as vestimentas na sala onde o Papa se vestiria. O design incorporava a “nobre simplicidade”, um princípio enfatizado pelo Concílio Vaticano II e valorizado pelo Papa Francisco.
A moda evolui com a cultura, a tecnologia e as mudanças sociais — mesmo dentro das instituições sagradas. Sorcinelli insiste em usar apenas sedas e lãs italianas e resiste à modernização excessiva. “Há o risco de perder a qualidade atemporal e eterna que os rituais sagrados transmitem através da beleza”, ele diz.
Na arte sacra, “transcender o ordinário” é crucial. “A Igreja Católica deve preservar sua identidade sem se adaptar totalmente ao mundo moderno”, Sorcinelli explica. “Significa permanecer fiel aos ensinamentos de Cristo enquanto se engaja com a sociedade. A Igreja existe no mundo, mas não é definida por ele.”
A história das vestimentas litúrgicas é antiga e complexa, com mudanças em materiais, estilos e simbolismos ao longo dos séculos.
“Nos últimos 60 anos, houve experimentação, mas também um estudo mais profundo — não apenas sobre o que é uma vestimenta litúrgica, mas seu lugar na história da arte”, Sorcinelli observa. Hoje, oficinas em todo o mundo criam vestimentas para clérigos de todos os níveis.
“Sempre vi a criação como serviço: oferecer a si mesmo, entender que seu trabalho pode se tornar uma missão cheia de significado”, ele diz. “Trata-se de ver o artesanato como uma extensão da fé. Isso sempre deve vir antes da estética ou da provocação. Novamente, não estamos fazendo figurinos — estamos criando vestes sagradas.”
Além das vestimentas, Sorcinelli administra sua marca de perfumes de luxo, UNUM, desde 2013. Sua primeira fragrância, LAVS, evoca uma capela mal iluminada com seu aroma especiado e toques de carvalho — semelhante ao que ele já borrifou em vestes papais. Outras de suas criações são mais lúdicas, como Slightly-b!tch, uma ousada mistura de couro e cítricos. Para ele, o perfume está ligado ao ritual: “A fragrância tem raízes na liturgia, na necessidade de descrever o divino. A Bíblia está repleta de momentos em que o aroma simboliza transcendência, oração, até mesmo drama humano. Para mim, é outra forma de expressar minha fé em todos os aspectos da vida.”
Sorcinelli mescla seus designs litúrgicos, os aspectos queer e sensuais de seu trabalho, sua identidade e sua fé, mantendo-se firme em conciliar suas crenças com sua sexualidade. “Sou um homem de fé, mas não estou imune à dor ou à alegria”, ele diz. “Anseio por respeito, lutando constantemente contra a tensão absurda entre quem sou e o que os outros esperam que eu seja. Mas uma coisa é certa: o perfume me libertou. E liberdade não é apenas fazer o que você quer — é fazer o que você deve. Isso muitas vezes colide com um ambiente eclesiástico cheio de rótulos, rituais e, sim, clichês.” Ao longo dos anos, muitos padres gays procuraram Sorcinelli, agradecendo por sua abertura.
Ele descreve sua relação com a fé e o catolicismo hoje como “caminhar por uma grande catedral abandonada. Reconheço sua majestade, o eco de orações antigas, a beleza de seus afrescos e arcos, mas vagueio entre as colunas em busca de algo — talvez um som, um aroma, uma luz.”
“O catolicismo carrega significados imensos, complexos, até contraditórios”, ele continua. “Sua essência milenar ainda toca as pessoas, mesmo as não crentes. Fala de amor, sacrifício, redenção, perdão — experiências humanas universais. Mas é exatamente por isso que agora enfrenta um desafio profundo: permanecer fiel a essa profundidade sem se tornar rígido ou exclusivo.”
E quanto à inclusividade? “A jornada está longe de terminar”, Sorcinelli diz. Ele acredita que uma facção da Igreja, especialmente sob o Papa Francisco, está genuinamente se esforçando para abraçar ideais mais modernos. “Muitos lugares ainda fazem com que aqueles que são diferentes — em orientação, gênero ou história pessoal — se sintam julgados ou excluídos. Para uma religião fundada por um Deus que jantava com os marginalizados, isso é uma ferida que exige cura.”
Por enquanto, Sorcinelli prefere observar os eventos à distância e não planeja ver o Papa Francisco em velório. “Neste momento, prefiro me afastar. Estou em um período de profunda reflexão pessoal, tentando entender o significado por trás deste estado emocional.”
Ele ainda não sabe se desenhará vestimentas para o sucessor do Papa Francisco, mas pretende continuar evoluindo sua prática artística em diferentes mídias. “Ser um artista, para mim, é viver com uma ferida aberta que se torna linguagem”, ele diz. “É uma forma de atravessar o mundo com uma consciência radical — como se tudo, até o menor detalhe, pudesse falar, revelar ou ressoar com significado.”