Na manhã de segunda-feira, 21 de abril de 2025, o cardeal Kevin Farrell anunciou do Vaticano que o Papa Francisco havia falecido. “Às 7h35 desta manhã, o Bispo de Roma, Francisco, retornou à casa do Pai”, disse o cardeal Farrell. O pontífice de 88 anos, que enfrentou uma série de problemas de saúde recentes, incluindo bronquite, fez sua última aparição pública na Praça de São Pedro apenas um dia antes, no Domingo de Páscoa.
Líder transformador e visionário por qualquer critério, Francisco não foi apenas o primeiro papa jesuíta e latino-americano — nascido em Buenos Aires em 1936 — mas também um defensor dos direitos dos migrantes, da maior diversidade dentro da Igreja e da ação urgente contra as mudanças climáticas e o consumismo excessivo.
Em 2018, cinco anos após o início de seu pontificado, Jason Horowitz e Annie Leibovitz visitaram o Vaticano para testemunhar seu trabalho e seu impacto pessoalmente. Abaixo, um trecho de sua reportagem, “A Hora das Crianças”, publicada na edição de agosto de 2018 da Vogue:
É uma manhã de junho no Vaticano, e o Papa Francisco tem sua expressão habitual — olhos atentos, sorriso gentil. É o mesmo olhar que ele dirige a líderes mundiais, seja ao lado de autocratas em Mianmar ou de Donald Trump, ou ao repreender a burocracia insular do Vaticano. Mas hoje estamos no saguão de mármore do auditório Paulo VI, onde crianças estão prestes a cantar. Eu me pergunto o que elas farão dele.
No entanto, quando as crianças começam a fazer perguntas, Francisco se anima. Seu calor e sua brincadeira transparecem. Como jornalista que acompanha seu pontificado há anos, já vi essa mudança antes — quando ele pausa um sermão para compartilhar sabedoria simples, abraça um refugiado muçulmano em um campo, ou volta para a seção de imprensa no avião papal para autografar livros, abençoar fotos de família e aceitar pequenos presentes. Já entrevistei presidentes e primeiros-ministros, vi mestres da mídia encantando multidões. Mas quando Francisco riu de minha piada sem graça, soube que estava diante de um verdadeiro natural.
Sentado à beira de sua poltrona, ele responde às perguntas das crianças: sobre sua primeira professora (“Estela — tive aula com ela no primeiro e terceiro ano”), sua cidade natal (“a mais bela do mundo, Buenos Aires”) e seu jogo favorito na infância (“Soltávamos muitas pipas”). Então, um menino se levanta e pergunta como ele se sentiu ao ser eleito papa.
“Essa pergunta não é original!”, Francisco ri. Ele fica sério. “Senti paz. É a verdade. Daquele dia até hoje, tenho sentido paz.”
Francisco pode estar em paz, mas nos cinco anos desde que o então papa de 81 anos se tornou o primeiro jesuíta no cargo, o mundo ficou mais turbulento. O populismo nacionalista que ele alertou cresceu. Ele viu a crise migratória europeia se desenrolar, condenou a política de separação de famílias do governo Trump e testemunhou o enfraquecimento global de proteções ambientais e econômicas. Como líder espiritual de mais de um bilhão de católicos, ele continua defendendo uma visão inclusiva e internacionalista que agora parece fora de sintonia com os tempos.
“Se ele não falar, quem o fará? Ninguém”, diz o arcebispo Claudio Maria Celli, um dos principais diplomatas do Vaticano. “Vão ouvir? Talvez não. Mas ele não pode ficar em silêncio.”
Dentro da Igreja, Francisco revolucionou discretamente seu foco — afastando-se de questões polêmicas como aborto e homossexualidade e direcionando-se para o cuidado pastoral dos pobres. Seus aliados dizem que ele está retornando o Evangelho às suas raízes radicais. Seus carros modestos, seus aposentos simples no Vaticano e suas vestes brancas sem ornamentos transmitem uma mensagem deliberada.
O ministro de cultura de facto do Vaticano, o cardeal Gianfranco Ravasi, ainda se surpreende com a capacidade de Francisco de se conectar com públicos tão diversos — de líderes mundiais e clérigos a executivos e crianças. (Nesta mesma manhã, Francisco discursou para um grupo de executivos de petroleiras, alertando que “não há tempo a perder” no combate às mudanças climáticas.) Quando perguntei se a mensagem de tolerância do papa está sendo ouvida — até mesmo em seu próprio quintel, considerando o novo governo populista da Itália, que recentemente recusou a entrada de um navio com mais de 600 migrantes —, Ravasi respondeu: “Francisco tem a coragem de seguir um rumo diferente, mesmo quando as marés políticas seguem em uma direção. Ele não está interessado em surfar a onda, buscar conforto ou fugir das realidades políticas.”
Em seu primeiro ano como papa, Francisco causou impacto com *A Alegria do Evangelho*, uma exortação apostólica que defendia uma Igreja mais inclusiva e descentralizada e elevava o ambientalismo como missão central da fé. Depois, em 2016, ele irritou conservadores com *Amoris Laetitia*, que incluía uma nota de rodapé sugerindo um caminho para católicos divorciados e recasados receberem a Comunhão — uma nota que gerou ondas de choque no mundo católico.
Recentemente, participei de uma conferência de cardeais conservadores no subsolo de um hotel em Roma, onde alguns acusaram Francisco de flertar com a heresia, enquanto apoiadores da extrema-direita os aplaudiam. Li blogs conservadores criticando o papa por seu silêncio após a Irlanda legalizar o aborto. Em encontros informais em terraços romanos, ouvi tradicionalistas argumentarem contra a migração muçulmana na Europa — e até mesmo fofocarem sobre a saúde do papa, especulando sobre sua expectativa de vida devido a ter apenas um pulmão funcional (o outro foi removido quando ele era adolescente).
“Eles se apegam a um catolicismo nostálgico, a tradições antigas”, disse-me o arcebispo Celli. Para eles, acrescentou, o catolicismo é como um museu. “O Papa Francisco não tem nada de museu.”
Tomei conhecimento de Jorge Mario Bergoglio — agora Papa Francisco — pela primeira vez em 2005. Após anos de um papa frágil liderando uma Igreja rígida, a humildade de Bergoglio e suas raízes sul-americanas o tornavam a escolha ideal para uma Igreja ansiosa por abraçar seu futuro. Eu previ que ele sairia do conclave como papa.
Eu estava errado. Os cardeais do Vaticano escolheram Joseph Ratzinger, visto por seus apoiadores como um último bastião contra a secularização da Europa. Mas as feridas autoinfligidas pela Igreja, especialmente o escândalo de abuso sexual que explodiu sob o comando de Ratzinger, tornaram-se um fardo esmagador. Em 2013, Bento XVI (o nome papal de Ratzinger) tornou-se o primeiro papa em 500 anos a renunciar.
Viajei a Roma para cobrir o conclave inesperado. No escritório de imprensa do Vaticano, um cartaz exibia os rostos dos possíveis candidatos. Jornalistas escolhiam seus favoritos, e enquanto esperávamos a fumaça branca da Capela Sistina, a maioria descartou Bergoglio como velho demais — uma força esgotada cujo momento havia passado.
Francisco provou que estávamos errados naquela noite, e tem feito o mesmo desde então. Sua famosa declaração de 2013 — “Quem sou eu para julgar?” — sobre católicos gays de “boa vontade” definiu o tom. Sua primeira viagem papal, ao Brasil, sinalizou que o futuro do catolicismo estava no Sul global. Em Mianmar e Bangladesh, vi ele navegar por um campo minado político antes de nomear corajosamente os muçulmanos rohingya perseguidos — “a presença de Deus hoje também se chama rohingya” —, apesar da pressão de sua própria Igreja para se manter em silêncio.
Talvez o mais importante, ele provou ser um líder astuto — embora críticos o chamem de implacável — ao redirecionar a Igreja. Francisco, um habilidoso operador político, superou seus oponentes ao nomear aliados para liderar a Cúria Romana, o corpo administrativo da Igreja. Embora a Cúria ainda seja forte e recentemente tenha reforçado a autoridade central de Roma — contrariando a visão mais colaborativa de Francisco —, o papa continua a moldar o futuro da Igreja. A cada ano, ele nomeia novos cardeais que, eventualmente, escolherão seu sucessor, influenciando a direção da Igreja por décadas.
Nem todos estão satisfeitos com sua liderança. Em relação aos direitos das mulheres, ele ficou aquém de muitas expectativas. Ele mantém que mulheres não podem se tornar sacerdotes e frequentemente as elogia em termos tradicionais e domésticos. No entanto, em um sermão em junho, ele pareceu ampliar sua posição, defendendo a igualdade para mulheres como “companheiras de trabalho”, não apenas mães, e condenando uma sociedade onde mulheres são “pisoteadas simplesmente por serem mulheres”.
Outro tema polêmico é o abuso sexual clerical. No início deste ano, Francisco inicialmente descartou as alegações de sobreviventes no Chile, acusando-os de “calúnia” e defendendo um bispo acusado de encobrir abusos. Essas ações confundiram até seus apoiadores mais leais e ameaçaram manchar seu legado. Mas quando parecia que ele havia perdido o rumo, ele deu uma guinada impressionante — emitindo um pedido de desculpas sincero, encontrando-se com sobreviventes e removendo bispos envolvidos no escândalo. Juan Carlos Cruz, um dos sobreviventes, agora diz que o papa se tornou um “amigo”, restaurando sua esperança.
Isso reflete a profunda humanidade de Francisco. Outro momento tocante ocorreu em abril, quando ele visitou um conjunto habitacional em Roma e confortou um menino, Emanuele, que travou ao falar. Enquanto se abraçavam, o papa ouviu a criança chorar. Emanuele havia perdido o pai, um não-crente, e queria saber se ele estava no céu. “Que lindo ouvir um filho dizer do pai: ‘Ele era bom'”, comentou Francisco, assegurando ao menino que Deus não abandona as pessoas boas.
Agora, no Vaticano, ele está entre crianças de chapéus vermelhos, muitas segurando balões, passando uma hora com elas. “O papa adora isso”, diz Laurent Mazas, um padre responsável pelo alcance do Vaticano. Francisco pergunta à plateia: “Temos raízes?” Ele mesmo responde: “Raízes espirituais. O lar. A família. A escola.” Então pergunta: “Uma criança sem raízes pode dar frutos na vida?”
“Não”, respondem as crianças. Francisco sorri — é a resposta certa —, e elas imploram para que ele fique só mais um pouco.